quinta-feira, 16 de outubro de 2008
O homem que via o trem passar
11/05/2006
É considerado a obra-prima de Simenon
Jornal do Brasil - por Gustavo Bernardo
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Certa vez Alfred Hitchcock ligou para a casa de Georges Simenon. A secretária do escritor disse que ele não podia atender, pois estava escrevendo um romance. Hitchcock respondeu: "Tudo bem, eu espero ele terminar".
A anedota, verdadeira ou não, dá idéia da espantosa produção do autor belga. Escrevia uma novela em cerca de 11 dias, datilografando um capítulo por dia numa média de 92 palavras por minuto. Publicou 420 volumes em meio século de trabalho, dos quais 84 casos do inspetor Maigret, seu mais famoso personagem.
Apesar dessa produção insana, é considerado um dos maiores escritores de língua francesa. Henry Miller sintetiza o sentimento da crítica com a confissão: "Eu não acreditava que alguém pudesse ser, ao mesmo tempo, tão popular e tão bom". O relançamento daquela que é considerada a sua obra-prima, O homem que via o trem passar, publicada em 1938, confirma o espanto.
São duas as metáforas centrais do livro: o trem e o jogo de xadrez.
O trem representa o movimento, a aventura e a incerteza, por oposição à imobilidade, ao tédio e as certezas na vida de um burguês comum. Esse burguês, representado pelo protagonista Kees Popinga, não tem um nome comum, mas sua vida na casa e no trabalho é absolutamente burocrática. No entanto, nele hiberna um germe de revolta ou loucura, identificado pela emoção que sente ao ver um trem passar: "Enfim, se tivesse procurado em si mesmo, pondo a mão na consciência, um grão de loucura latente que pudesse predispô-lo a um futuro tumultuado, não lhe teria ocorrido pensar em certa emoção furtiva, quase vergonhosa, que o assaltava quando via um trem passar, um trem noturno, de preferência, com as cortinas baixadas sobre o mistério dos passageiros".
O germe desperta quando a empresa à qual ele tinha dedicado a vida vai à falência por falcatruas do próprio dono. O narrador, como que colado às costas de Popinga, acompanha sua dissolução moral depois que ele toma o sonhado trem noturno e larga toda a sua vida para trás. O leitor acompanha a transformação do protagonista pela sua própria perspectiva, vendo o burocrata se transformar em criminoso que decidiu não prestar contas a mais ninguém: "Não sou louco nem maníaco. Apenas, aos 40 anos, tomei a decisão de viver como me agrada, sem fazer mais caso das convenções ou das leis. Descobri – um pouco tarde, convenho – que ninguém as observa e que até agora eu vinha me deixando iludir".
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