quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Ferrovia: amiga injustiçada, solução ignorada, política abafada

Robson Fernandorobfbms@hotmail.comconscienciaefervescente.blogspot.com

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Para os que não possuem carro próprio: ônibus desconfortáveis e lotados como se fossem carregamentos de sacos de batata, tarifas caras. Para os privilegiados pela posse de um carro ou pelas caronas: ruas esburacadas, sistemas viários obsoletos e combustível que pesa muito no bolso. Para todos: trânsito lento, engarrafamentos que pioram a cada ano, exposição ao perigo de assaltos, custos altos para o direito de ir e vir e riscos maiores de atropelamento e outros acidentes. Para o meio ambiente: poluição do ar, superexploração de minérios e petróleo e impactos ambientais pesados das mais variadas espécies por parte de rodovias. São todos problemas enfrentados diariamente em um país movido quase que exclusivamente por rodovias e que despreza o poder dos trilhos. As ferrovias e metrôs aparecem como heroínas do trânsito e do desenvolvimento em muitos países, mas não é assim que o Poder Público brasileiro parece pensar. Mas, afinal, por que a questão ferroviária é tão importante? E por que temos, além de um histórico de desprezo e gestão tosca dirigidos a ela, tão poucas estradas de ferro em atividade (e tantas desativadas)? É o que vou mostrar aqui para quem ainda não está por dentro do assunto e, por desconhecimento ou inércia cultural típica de um país rodoviarista ao extremo, ainda não tem em mente a magnitude da importância do transporte ferroviário.Começo relatando o histórico das estradas-de-ferro brasileiras. Tudo começou com o desenvolvimentista pioneiro Barão de Mauá, que coordenou a construção da E.F. de Petrópolis em 1854. Em seguida (1855), veio a ferrovia Recife-Cabo, a segunda do país. Em Pernambuco, teve destaque a empresa inglesa Great Western, que construiu e administrou a maioria das ferrovias até 1950. Entre as últimas décadas do século 19 e as primeiras do seguinte, o transporte ferroviário foi a menina-dos-olhos do progresso urbano no Brasil, tendo destaque as ferrovias centrais do Rio de Janeiro (Central do Brasil), São Paulo e Pernambuco (Linha Centro), tendo muitas cidades crescido graças a esses trilhos – Carpina é o melhor exemplo em Pernambuco. Entretanto, o século 20 ficou marcado pela gestão precária por parte de algumas empresas ferroviárias da época, e isso originou a decadência das ferrovias. A partir do fim da década de 40, o mercado automobilístico começava a crescer no Brasil e o desenvolvimentismo baseado no transporte rodoviário começava a matar por inanição as ferrovias uma a uma. Ainda houve na época uma tentativa de manter o transporte ferroviário íntegro, com a criação da RFFSA, que adotou as ferrovias das empresas gestoras que faliram, o que não deu muito certo, visto que a modernização dos trens era lenta e os caminhões, ônibus e carros se multiplicavam nas cidades e nas estradas. Em alguns casos, houve até avenidas ou estradas passando por cima de antigas ferrovias, como foi o exemplo da Avenida Norte, no Recife, que era o traçado recifense da antiga Recife-Limoeiro e foi transformada em avenida depois da falência da filial brasileira da Great Western. Cultivou-se uma idéia insustentável e mentirosa de que rodovias eram melhores que ferrovias e estas não cabiam mais nos planos do progresso modernizante, algo que foi comprovado como inverdade por muitos países que continuavam estendendo e modernizando suas estradas-de-ferro e apostavam na sincronia multimodal (em que rodovias e ferrovias se complementam entre si). As décadas de 80 e 90 trariam grandes perdas ao sistema férreo brasileiro, com a desativação da maioria dos trens de passageiros no país e em Pernambuco e a privatização das estradas-de-ferro, vendidas para empresas essencialmente de logística e carga e com sua funcionalidade limitada. Hoje, a situação não é nada animadora, mas direi isso depois do próximo parágrafo.Retomo a primeira pergunta: Por que o sistema ferroviário é tão importante para um país? Veja a lista da maioria dos benefícios:BENEFÍCIOS GERAIS- Fretes e tarifas são mais baratos- A relação entre carga ou pessoas transportadas e consumo de combustível é muito melhor do que carros, ônibus e caminhões- Riscos de acidente de trabalho e colisões muito menores do que carros, ônibus e caminhões- Apoio no desenvolvimento econômico graças ao fluxo de mercadorias e de trabalhadores e estudantesBENEFÍCIOS ESPECÍFICOS PARA PASSAGEIROS- Com transporte ferroviário/metroviário de bom alcance, muito menos pessoas precisarão comprar carros para necessidades diárias (ida e vinda do trabalho ou da escola/faculdade)- Engarrafamentos diminuem bastante- Transporte mais veloz (considerando que trens metropolitanos e metrôs são mais ágeis que ônibus)- Otimização do transporte público com a devida integração com os ônibus- Diminuição da lotação dos ônibus- Diminuição dos engarrafamentos no asfaltoBENEFÍCIOS ESPECÍFICOS PARA TRANSPORTE DE CARGA- Mais capacidade para carregamento (cada vagão de carga transporta o mesmo que três caminhões)- Mais segurança para transporte de material perigoso (como combustíveis e produtos químicos)BENEFÍCIOS AMBIENTAIS- O consumo de recursos naturais (matéria-prima e combustíveis) em trens e ferrovias é menor do que em rodovias e caminhões- Muito menos poluentes: as menores emissões de óxidos de nitrogênio, compostos orgânicos voláteis, monóxido de carbono e gás carbônico entre todos os meios de transporte, considerando apenas os trens não-elétricos- Menor risco de acidentes que gerem vazamento ou explosão de cargas perigosas- Consumo de petróleo muito menor, considerando a fabricação de pneus rodoviários e piche de asfalto, a existência de trens elétricos e o consumo otimizado de diesel em trens não-elétricos- Impacto ambiental muito menor no caminho e nas adjacências da estrada-de-ferro, uma vez que esta é bem mais estreita que rodovias e, ao contrário destas, ocupações humanas não encontram motivos para se desenvolver em trechos de ferrovia distantes das estaçõesAs ferrovias hoje se fazem muito importantes em todos os países, mais ainda em tempos de multiplicação de carros nas cidades, escalada do preço do petróleo, emissão crescente de gases-estufa e complicações no transporte aéreo (cancelamentos e atrasos de vôos) – vejamos este último tão forte ultimamente no Brasil. Os trens aparecem como aliviadores de tantos problemas e estão sendo vigorosamente expandidos e modernizados em muitos países desenvolvidos e emergentes. Mas não é o que acontece no Brasil. Um modal (categoria) de transporte tão importante foi deixado em situação precária: trens metropolitanos e metrôs em sistemas muito limitados e em lenta e difícil expansão, linhas intermunicipais e interestaduais de trem inativas e abandonadas, vagarosa reposição da frota de trens privados de carga, obras de expansão e reativação ferroviária escassas e lentas – a Transnordestina é praticamente a única obra férrea em andamento no Nordeste –, bitolas (espaçamento entre os trilhos) obsoletas (a bitola da maioria das estradas-de-ferro brasileiras ainda é de um metro, o que complica muito o reaproveitamento das ferrovias existentes com uma hipotética frota atualizada que requer um espaçamento mais largo entre os trilhos), carência de indústria ferroviária nacional e vários outros problemas. E aumente tudo isso com o histórico dos últimos cinqüenta anos – desativação dos trens de passageiros de longa distância, abandono sistemático da maioria das linhas férreas, priorização dos investimentos em rodovias em detrimento das ferrovias, privatização do sistema ferroviário nacional para empresas de logística cargueira – numa tentativa do governo federal de lavar as mãos e se livrar da responsabilidade de cuidar dos trens e linhas brasileiros – e, o pior de todos, extinção da RFFSA.Vou dar uma idéia do estrago feito. Em Pernambuco, havia três ramais ferroviários: a Linha Norte (Recife-Nova Cruz/RN), a Centro (Recife-Salgueiro) e a Sul (Recife-Maceió).Na primeira, adicionalmente ao escoamento de açúcar dos canaviais, foi proporcionado o desenvolvimento de cidades como Carpina e Limoeiro, e o transporte para a Paraíba e o Rio Grande do Norte era garantido. Ainda nos anos 50, o trecho entre o Recife Antigo (estação Brum) e Camaragibe foi totalmente desmontado e a parte a leste da BR-101 foi convertido na Avenida Norte.A linha central trouxe um leve progresso ao Agreste e Sertão do estado, e era a melhor ligação entre Recife e Caruaru. Hoje o Metrô do Recife passou por cima do trecho entre as estações Central e Jaboatão, e toda a linha a oeste está totalmente abandonada e destruída, havendo cobertura de lama e mato em muitas partes. O último trem que tornava útil a estrada-de-ferro foi o Trem do Forró, até que em 1999 as chuvas inutilizaram vários trechos dela e esse trem teve que passar a percorrer a linha Curado-Cabo, última ferrovia convencional de passageiros de Pernambuco ainda em funcionamento.A linha sul possibilitava o fluxo de açúcar da Zona da Mata assim como a Linha Norte e fez o bem para muitas cidades, com destaque ao Cabo de Santo Agostinho e a Palmares. O trecho recifense foi desativado para dar lugar ao Metrô, cuja expansão no sentido sul fará dez anos de obras muito lentas. Nenhuma estação em Recife foi deixada de pé nem para que servisse de memória. Há planos de pôr um Veículo Leve sobre Trilhos/VLT entre Suape e Recife, mas não há muitos detalhes sobre isso, e o trecho restante entre o Cabo e Maceió, ao menos por enquanto, está pretendido a continuar abandonado.Ferrovias que foram muito importantes para o transporte público em Pernambuco hoje nada mais são do que ruínas maltratadas.Por trás dessa falência ferroviária, há muitos fatores. Em seqüência histórica, primeiro veio uma gestão falha e insustentável das ferrovias na primeira metade do século 20, de modo que teve que ser criada a RFFSA para tutelá-las depois da falência das antigas empresas ferroviárias. Em seguida, “pragas” que duram até hoje: os interesses de empresas automotivas, de lobbies de políticos e empresários ligados ao petróleo, de empresas de ônibus urbanos e de viação de longa distância, de administradores rodoviários que faturam fortunas com pedágios e, finalmente, de políticos que preferem lançar obras rodoviárias faraônicas a empreendimentos ferroviários e metroviários, pois estradas e viadutos atraem mais votos. Para que interessaria para esse lado uma política ferroviária válida se, ao mesmo tempo em que a economia em geral e os passageiros sairiam muito beneficiados, a venda de carros, o comércio de gasolina e diesel, a arrecadação de pedágios e a receita dos ônibus cairiam significantemente e, conseqüentemente, os lucros desses ramos cairiam? Na contrapartida, o lado pró-ferroviário está muito fraco, restrito a empresas de logística férrea cargueira (como ALL, Ferroban e CFN), velhas associações de ferroviários, confrarias de ferromodelistas e amantes dos trens e “gatos pingados” de cidadãos legitimamente interessados na implantação de uma verdadeira política ferroviária.Como nós que gostamos de trens e ferrovias e desejamos vê-los ativos, modernos e a nosso serviço somos ainda bem poucos, venho através do artigo fazer você entender toda a questão e se conscientizar perante a problemática que envolve nossos trilhos. Foi pelo desconhecimento da causa que o povo permitiu a destruição do sistema ferroviário e se acomodou no aperto dos ônibus lotados e das avenidas congestionadas, nas altas despesas com combustíveis e na alta poluição emitida acima do asfalto. Tudo isso para você é muito inconveniente, daí a primeira solução que lhe vem à cabeça é a expansão das ferrovias restantes e a ressurreição das que foram “assassinadas” pela perversa e meio-secular política de promoção das rodovias e da indústria automobilística em detrimento das estradas-de-ferro. Não havendo alternativa mais prática e de relação custo-benefício mais adequada que as ferrovias e metrôs, vamos começar a lutar e a se manifestar para que os trens ganhem força e estejamos, no menor prazo possível, no nível de avanço em transporte da Europa e da Ásia, onde os países, ao contrário do Brasil de hoje, valorizam como ouro seus trilhos e sabem de verdade como transformar rodovias e ferrovias em entidades aliadas (em vez daqui, onde a rodovia, como se fosse inimiga dos trilhos, “os matou”) e mutuamente complementares.
Sobre o Autor
Estudante e articulista amador, é engajado na transmissão de uma nova visão de mundo, livre de absurdos e valores violentos tratados como normais, para as pessoas desde setembro de 2007. Defensor animal, vegano e ateu, dá preferência a assuntos como direitos dos animais, ética, sociedade e educação.

Um comentário:

Robson Fernando de Souza disse...

Olá! Agradeço pela divulgação do meu artigo, isso engrandece as causas pelas quais luto e a mim também.

Faço duas sugestões: primeiro, pergunto se você gostaria de ser parceiro do Consciência Efervescente, meu blog, onde este artigo também está presente; segundo, peço que ajuste os parágrafos, porque do jeito como está a leitura fica muito confusa e prejudicada.

Abs